domingo, 9 de novembro de 2008

ESCRÚPULO



Me parece que vivo

que estoy entre los ruidos

que miro las paredes,

que estas manos son mías,

pero quizás me engañe

y paredes y manos

sólo sean recuerdos

de una vida pasada.

He dicho "me parece"

yo no aseguro nada.



Oliverio Girondo, poeta argentino.

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Post: marcos coletta

Um comentário:

  1. Conversando com mamãe
    Por Mariana Sgarioni (Itau cultural)
    Há uma década, a vida financeira da recepcionista Vanda Moreira, de 50 anos, moradora do Rio de Janeiro, andava de mal a pior. Estava atolada em dívidas. Um dia ela estava em casa, fazendo contas, no fim da tarde, e o telefone tocou.

    − Dona Vanda? Aqui é do cemitério do Irajá.

    "Só faltava mais essa", ela pensou. "Que diabos alguém do cemitério quer a essa altura do campeonato?"

    − Olha, dona Vanda, como sabe, a senhora sua mãe foi enterrada aqui já faz três anos. Está na hora de tirar os ossos da gaveta. Precisa ver o que vai fazer. Ou compra um jazigo ou então...

    − Então o quê, moço?

    − Nós jogamos os ossos no lixo. Tá cheio de osso aqui entulhado, dona Vanda.

    Vanda entrou em pânico. Como poderiam jogar sua mãezinha no lixo? Pois era isso mesmo o que eles faziam com os ossos que não tinham destino. Perguntou, então, quanto custava um jazigo: 3 mil reais. Uma verdadeira fortuna, eram seis meses de salário. Impossível.

    Conversando com as irmãs, ela se lembrou de que a família tinha um túmulo no Espírito Santo. O único jeito seria levarem o corpo pessoalmente.

    "Fomos até o cemitério e lavamos osso por osso. A Marcia [uma das irmãs] botava na água, eu secava e a Severina [a outra] arrumava os ossinhos dentro da caixa de fibra", lembra.

    Terminado o "serviço", Vanda colocou a caixa (com os ossos, evidentemente) dentro da bolsa, deu adeus ao coveiro e voltou ao ponto de ônibus.

    Na manhã seguinte, cedinho, pegou a bolsa e foi direto para a rodoviária. Antes de embarcar para Vitória, o motorista, ressabiado, perguntou:

    − A bolsa vai no bagageiro?

    − Vai, sim, moço. Aqui dentro não tem nada que quebre.

    Para sair do Rio de Janeiro, no entanto, não foi tão fácil. A Avenida Brasil estava toda parada, um engarrafamento dos diabos − que a mãe de Vanda nos perdoe. O trânsito estava assim por causa de uma blitz da Polícia Federal, que interpelou justamente o ônibus de Vanda.

    − Alguém quer declarar algo que esteja dentro das malas?, perguntou o policial.

    Antes que Vanda dissesse qualquer coisa, o rapaz da poltrona 40, lá atrás, perto do banheiro, se manifestou:

    − Estou levando um curió, vivinho da silva, no bagageiro.

    Ela ficou com vontade de rir − um passarinho vivo bem ao lado da mãe morta, que coisa.

    − Mas isso é crime ambiental. − disse o policial, já prendendo o sujeito. − Mais alguém tem algo a dizer?

    − Eu tenho, sim, senhor. Estou levando minha mãe para ser enterrada em Vitória. Mas ela já morreu faz tempo, viu? São só os ossos que estão aí, disse Vanda.

    O policial empalideceu. A mulher levava um defunto. Ele respirou fundo e explicou que aquilo se chamava tráfico de ossos. Vanda chorou, chorou e chorou. Contou toda a vida, as dívidas, a fortuna do jazigo, até que o policial não agüentou mais e mandou que o motorista − junto com Vanda e a mãe dela − seguisse viagem. Em paz.

    12 de Novembro de 2008 15:09
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